Reforma trabalhista reduz processos e muda vida de advogados: ‘Fonte secou’

Com três palavras, o advogado Lucas Santos resume o efeito da reforma trabalhista para o escritório do qual é sócio: “A fonte secou”.

Sancionada há dois anos e em vigor desde novembro de 2017, a nova lei levou à diminuição na quantidade de processos apresentados à Justiça do Trabalho. O motivo, segundo especialistas, é que agora as pessoas correm o risco de ter de pagar custas e honorários se perderem a ação.

Essa redução nas ações foi sentida de perto por quem faz a ponte entre os trabalhadores e a Justiça: os advogados.

Lucas Santos conta que o escritório do qual é sócio, que estava há 15 anos focado na área trabalhista, tinha a maior parte do faturamento – 80% a 90% – oriunda das ações apresentadas à Justiça do Trabalho. Mas o cenário mudou.

“Tivemos que nos reinventar. Daqui dois ou três anos, acreditamos que as reclamações trabalhistas vão representar apenas 20% a 30% do nosso faturamento.”

O motivo pelo qual houve uma “corrida” para apresentar ações em novembro de 2017 foi a data de entrada em vigor da reforma, no dia 11 daquele mês. Entre outros pontos, a reforma trabalhista prevê o pagamento de honorários em caso de derrota na ação, além de custas processuais. Pela regra anterior, o trabalhador que alegasse insuficiência financeira podia requerer o benefício da gratuidade.

‘Pedidos de A a Z’

Em entrevista à BBC News Brasil, o presidente do TST, ministro Brito Pereira, disse que a queda nas ações é positiva e que as pessoas estão mais cautelosas e, muitas vezes, estão até deixando de ingressar com ações.

“As reclamações trabalhistas já não vêm mais com aqueles pedidos de A a Z, como a gente costumava falar aqui: pedidos que sabidamente não eram procedentes ou não tinham pertinência com a reclamação, mas incluíam ali porque, se fossem julgados improcedentes, o reclamante não pagaria honorários advocatícios”, afirmou.

O presidente do TST diz que a possibilidade de firmar acordos extrajudiciais estimulou a “negociação da rescisão do contrato de trabalho diretamente entre o empregado e o empregador” e colaborou para reduzir a quantidade de novas ações.

Para o presidente da Comissão Nacional de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Antônio Fabrício Gonçalves, o movimento de redução nas ações não deve ser visto como positivo porque, na verdade, não reflete uma diminuição nos conflitos entre trabalhadores e empregadores.

“Se a reforma tivesse trazido pacificação social a ponto de reduzir a demanda, ótimo. Mas não foi isso que aconteceu. O desrespeito aos direitos continua a existir. O que aconteceu é que as pessoas procuram menos a Justiça do Trabalho pelo valor dos custos que têm que pagar em caso de perda de ação, o que não existia anteriormente.”

À espera do Supremo

Esse ponto da reforma é tão polêmico que a palavra final está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros começaram a julgar o assunto em maio de 2018, mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista e não tem data para terminar.

Nesse caso, os ministros vão decidir sobre o ponto específico da reforma que abre a possibilidade de trabalhadores pagarem honorários e custas dos processos. O Ministério Público do Trabalho considera a mudança inconstitucional.

“É um sonho de todos nós que o Supremo decida logo, mas eu compreendo a dificuldade do Supremo neste momento de tantas demandas por lá”, disse Brito Pereira.

A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juíza Noemia Porto, diz que a entidade também tem “enorme expectativa” em relação ao julgamento.

“A reforma trabalhista, de fato, representou negativa de acesso ao Poder Judiciário trabalhista. Há um ambiente de medo, de insegurança, em razão do fato de que antes o processo judicial trabalhista era acessível e universal e agora se estabelece esse patamar de custas processuais e honorários”, afirmou.

“Ainda não sabemos como vai ser decisão final do STF, mas o que se espera é que a falta de acesso amplo ao judiciário trabalhista seja em breve resolvido.”

O lado das empresas

Professor da FGV e sócio da Veirano Advogados, a experiência de Luiz Guilherme Migliora é do outro lado do balcão: ele assessora empresas nacionais e internacionais em questões trabalhistas.

O que ele viveu nos últimos meses foi completamente diferente do que relatam advogados que atuam nos escritórios que atendem principalmente os trabalhadores. Migliora relata um aumento de 20% no faturamento relativo à área trabalhista do escritório em 2018, quando comparado a 2017.

“A gente brinca no escritório que a gente agora está na moda. Temos mais demanda e mais receita. Mas quem trabalha com volume de processos, esse pessoal está sofrendo porque tem menos entrada de processo”, disse.

Migliora diz que, “a cada passo”, as empresas querem “opinião para se proteger”, diante da mudanças nas leis.

“À medida que as coisas forem pacificadas, isso (as consultas das empresas) diminuiu. Mas será um ciclo de pacificação lento, de 5 a 10 anos”, afirmou.

Ele diz que as novas formas de contratação trazidas pela reforma – como o trabalho intermitente (também conhecido como contrato zero hora) e a jornada parcial – ainda não foram muito exploradas. “Ainda existe muita insegurança de como os tribunais vão encarar”, afirmou.

Para o Ministério Público do Trabalho, embora o volume de novas ações tenha caído após a reforma, a Justiça do Trabalho pode ficar “ainda mais abarrotada” no futuro.

“As novas formas de contratação vão gerar, a médio e longo prazo, maior número de contestações, pensamos nós, com relação à legalidade desse movimento. Isso pode gerar um abarrotamento, um aumento da demanda na Justiça do Trabalho”, disse o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury.

 

Criação de emprego

Um dos argumentos usados pelos defensores da reforma trabalhista foi o de que ela ampliaria o nível de contratações. O governo chegou a dizer que ela abriria espaço para a geração de até 6 milhões de empregos no país.

Em 2018, o Brasil criou 529 mil empregos, segundo dados do governo. Em anos de maior crescimento da economia, no entanto, a criação anual de empregos no país ficava na casa dos milhões.

Hoje, o desemprego atinge 13 milhões de brasileiros, uma taxa de 12,3% de março a maio deste ano, segundo o IBGE. Foi em 2016 que essa taxa superou os 10% – antes disso, não havia chegado a dois dígitos, aponta a série histórica da Pnad Contínua, que começou em 2012.

Atualmente, os defensores da reforma dizem que o desempenho do emprego no país reflete o baixo crescimento da economia. Os críticos da reforma, por outro lado, dizem que ela não foi capaz de criar empregos e que precarizou as condições dos empregados.

Para o presidente do TST, ministro Brito Pereira, “foi um equívoco alguém um dia dizer que lei ia criar empregos”.

 

FONTE: BBC NEWS

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2019-11-11T14:36:33+00:00