É possível mudar o curso da enxurrada de e-mails no trabalho

A colunista Pilita Clark fala sobre a vantagem restringir o próprio acesso à caixa de entrada de mensagens.

Outro dia, uma amiga me mostrou um e-mail muito estranho que ela acabara de receber. “Obrigado por seu e-mail”, começava o texto. “De forma a ser o mais produtiva possível, só checo e-mails e atendo telefonemas entre às 16h e 17h. Entrarei em contato com você nesse horário.” Meu primeiro pensamento foi: que audácia. Que tipo de tonta pomposa envia isso?

Mas, ao pensar melhor sobre o e-mail, cheguei a conclusão: que gênia. Imagine quanto trabalho a mais poderíamos realizar se só gastássemos uma hora por dia com e-mails. Era assim que costumávamos lidar com e-mails quando esse tipo de mensagem começou a ser usada há mais de 20 anos nos escritórios. Naquela época pré-Wi-fi, as pessoas costumavam se conectar por telefone para receber seus e-mails mais ou menos uma vez por dia, diz a doutora Emma Russell, pesquisadora da Universidade de Sussex que vem estudando como e-mails são usados no trabalho desde o início dos anos 2000.

“Você separava um momento durante o horário de trabalho para baixar os e-mails do dia e lidar com eles de imediato, como faria com cartas e outros tipos de correspondências”, ela me contou. Depois, deixaria isso de lado e continuaria com o resto do seu trabalho. O que aconteceu, segundo Emma, é que com banda larga, a internet sem fio e os smartphones, os e-mails se tornaram disponíveis constantemente, mas as pessoas continuaram a lidar com novas mensagens conforme elas chegavam, como faziam na internet discada. Esta é uma forma absurda de responder. Não ajuda a saúde mental das pessoas e pesquisas mostram que são necessários uns bons 60 segundos para se concentrar de novo depois de uma interrupção, argumenta Emma Russell.

Mas quão fácil é ignorar e-mails o tempo todo, à exceção de uma hora por dia? Para descobrir isso, eu localizei a empresária britânica que tinha enviado o e-mail que minha amiga me mostrara. Seu nome é Papillon Luck, uma ex-gestora de negócios de fundos de hedge que se tornou empresária e cuja última empresa, 15th Degree, vende suplementos nutricionais de luxo para executivos que são viajantes frequentes.

Um empresário americano a inspirou a montar seu esquema de e-mails das 16h às 17h, que ela começou a usar em agosto com um certo receio. “Achei que ia chatear um montão de pessoas”, disse. “Mas o que aconteceu foi totalmente o contrário.” As pessoas responderam dizendo que entendiam completamente. E começaram a se adaptar à sua “hora de ouro”, enviando um e-mail às 15h59 para garantir que estivesse no topo da caixa de entrada quando ela a abrisse às 16h.

Há pouco tempo, ela contratou uma assistente executiva e seu e-mail avisa que qualquer pessoa com uma pergunta urgente pode entrar em contato com a assistente. E aqueles de nós sem um ajudante desses? Ela afirma que o esquema funcionava antes de ter a assistente, mas eu não tenho tanta certeza. Mesmo assim, admiro a coragem de Papillon Luck.

Suas regras nunca funcionariam para jornalistas, nem para ninguém na área de atendimento a clientes, balcão de recepção ou um monte de outros empregos que exigem uma resposta imediata. Mas ela não é a única a tentar acabar com o horror dos e-mails que atrapalham a concentração. Executiva-chefe de uma empresa britânica de tecnologia chamada Decoded, Kathryn Parsons decidiu abandonar o e-mail há cinco anos. A decisão não durou, como descobri depois de entrar em contato com ela outro dia – por e-mail. Ela contou que seu veto aos e-mails foi um experimento que resolveu fazer por três meses, depois de ouvir falar de novas ferramentas de mensagens internas de trabalho, como o Slack.

“Voltei para o Gmail. O Gmail introduziu filtros. Meu tráfego de caixa de entrada caiu em aproximadamente 70% e me senti sã de novo”, disse ela, acrescentando que todos deveriam experimentar novas maneiras de se comunicar no trabalho. “Se você só está usando Excel e e-mail, está basicamente parado no tempo de trabalho de 1987.”

Pode ser, mas não tenho certeza de que os intermináveis “pings” do Slack sejam uma resposta. Mesmo esquemas bem-intencionados, como os de empresas que proíbem e-mails depois do expediente, podem ser tensos. Emma Russell, de Sussex, publicou um estudo este mês que mostra que eles não são adequados para todos os trabalhadores.

Não deveríamos ter permitido que a tecnologia nos condenasse a problemas de falta de atenção sem fim. Aplaudo todas as tentativas de parar com isso. Mas será necessário muito mais esforço para nos colocar de volta no caminho da sanidade sobre e-mails do que todos nós dávamos como certo há não muitos anos.

Fonte: Valor Econômico / Financial Times, por Pilita Clark, 06.11.2019

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2019-11-07T14:27:10+00:00